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domingo, 11 de dezembro de 2011

"Intertextualidade"

Extrato retirado do artigo da antropóloga Rita de Cácia Oenning da Silva: “A CRIANÇA NO SER”: INFÂNCIA, INTERTEXTUALIDADE E PERFORMANCE ENTRE CRIANÇAS ARTISTAS E SEUS FAMILIARES EM RECIFE."
In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 34, p. 117-136, jul./dez. 2010.
"Intertextualidade
   Durante a pesquisa de campo junto a crianças e adolescentes artistas e seus familiares em Recife, em 2006 e 2007, as perguntas sobre fases da vida eram recebidas com olhares pensativos, mas quase nunca ficavam sem resposta. Indagavam-se sobre sua própria experiência, a experiência de parentes e conhecidos, sobre diferenças e semelhanças entre diferentes biografias e sobre o que pensavam ser a fase que viviam; ou seja, o vivido era também pensado (Peirano, 2001).
   Logo que comecei a pesquisa sobre crianças performers em Recife, a indagação de uma das informantes, "Criança em termos do que mesmo, Rita?", me ensinou que para falar de "meninos" é preciso ter algum parâmetro, já que ser criança não é somente uma fase da vida.
   "Pirraia" e "menino" são termos usuais no grupo pesquisado para se referir a quem é ainda considerado criança. Apesar de haver utilizado o termo "criança" para iniciar conversas e perguntas ao grupo, depois de algum tempo foi ficando claro que "criança" é um termo mais genérico, que usam em determinadas ocasiões, mais especialmente quando falam com pessoas fora do grupo. "Pirraia" é um termo êmico mais afetivo, usado para e entre próximos, e remete a uma série de aspectos diferenciados do "ser criança". É também um termo de chamamento: "ô, pirraia"; "o pirraia ali". Ouvi com muito mais frequência o uso desse termo entre jovens e crianças, e muito raramente entre adultos. "Menino" parece se assemelhar ao termo "pirraia", mas notei ser menos ligado ao afeto. Usa-se normalmente quando se quer falar genericamente, proferir xingamentos, ou quando se quer chamar alguém do grupo de quem não se recorda o nome. Essa diferenciação nos termos parece vir da capacidade que têm de cruzar vários mundos ao mesmo tempo, lidando com diferentes universos de fala. Foi preciso aprender a usá-los e perceber em qual contexto seriam apropriados. Mas o que suas experiências e suas falas sobre infância expressam? Quais os temas mais frequentes em suas conversas?
   Um rap produzido por uma garota para o CD Ato periférico teve como tema: "Criança, o que é ser criança?" A letra se vincula com a política nacional da criança, bem como com o que elas entendem e vivenciam no cotidiano.
É apenas mais um elemento dessa vida sem esperança, sofrida e desesperadora? Será que é isso que merecemos? Não, pois nós somos o futuro desse mundo obscuro, que nos interrompe de ver aos montes os nossos direitos. Direitos de viver, de sonhar, de crescer e estudar. Por isso estamos aqui hoje, fazendo um ato periférico para dizer que nunca vamos nos calar, nos calar, nos calar...
   Quando a compositora fez a música eu passava muito tempo com ela, que além de ser dançarina desde os seis anos de idade era mãe de duas das crianças nas quais prestei especial atenção. Dois aspectos chamaram a atenção na letra da música: o primeiro era que a compositora tinha dito que desde os cinco anos de idade deixara de ser criança, já que trabalhava para se sustentar, e na letra ela se coloca como criança, embora tivesse 17 anos. O segundo tema foi a relação da letra com as políticas públicas globalizadas sobre a infância - a infância como direito. Havia nessa letra uma forte reflexividade do que está em pauta nas políticas públicas mundiais, bastante globalizadas especialmente por instituições como Unicef, ONU, etc., e que chegam ao grupo pesquisado pelos discursos das políticas públicas e pelo trabalho de ONGs que atuam no bairro. Então, criança, na letra do rap, não era alguém, mas um "elemento dessa vida sem esperança, sofrida e desesperadora". Tal concepção parece baseada especialmente nos direitos universais, como aponta Caldeira (2002), e, nesse caso, defendendo uma infância universalista.
   Além dessa reflexividade, era possível observar no discurso deles, como propõe Minks (2006, f. 2), níveis de sobreposição (overlappings) de intertextualidade, que são constituídos de diferentes discursos em diferentes meios, do contato com diferentes atores sociais com quem interagem no cotidiano. Usando a definição feita por Richard Bauman e Charles Briggs (1990), Amanda Minks (2006) propõe que intertextualidade não é uma propriedade formal de textos fixados, mas um processo comunicativo criando relação entre corpus de discursos.
   No campo, quando falavam de criança, apontavam para aspectos da sociedade, da vida comunitária, do que entendem do discurso vigente estatal (pelos agentes sociais estatais e pelas políticas públicas em relação ao que se espera e se quer para as crianças) ou não governamental, dos meios de comunicação, especialmente rádio e televisão, do modo como veem a si mesmos, de como entendem a si mesmas dentro de suas experiências de vida. Suas respostas não eram repetições de ideias prontas, mas overlappings de mundos e discursos distintos, incluindo sua própria experiência de vida. Os "pirraias" usam a performance para elaborar esse overlapping, para mediar entre a definição mais tradicional ou comunitária de "ser menino" e ideias mais globalizantes da infância e seus direitos. Veremos, a seguir, alguns aspectos que mostram diferentes sentidos, e como a performance parece surgir como um campo onde essas concepções se friccionam e, ao mesmo tempo, se expõem. (...)"
Tenha acesso ao artigo, acessando a página da revista Horizontes Antropológicos no Scielo ao clicar aqui.

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